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Por que não seguir o mesmo segmento da maioria dos projetos, a intervenção com crianças? 

Há mais de 100 projetos que segue esse segmento. Em um hospital infantil, a maioria das pessoas que estão no ambiente é adulto; os pais ou responsáveis, visitas, e todos que trabalham no hospital; como médicos, enfermeiros, faxineiros e recepcionistas. Com isso, o grupo decidiu ir na “contramão” do foco em crianças.

 

Você acha mais fácil fazer a intervenção com os adultos do que com as crianças?

Com certeza, eu tenho uma dificuldade muito grande em lidar com criança vestido de palhaço. Eu sei as técnicas, não estudei a fundo porque não foi minha especialização, mas com a criança ela quer sempre mais. Se você vai fazer uma mágica, você tem que ter ciência que vai ter que repetir essa mágica várias vezes.

 

Quais são as técnicas para abordar o adulto e a criança? Qual a diferença? E qual você utiliza?

Com a criança precisamos ter fluindo na cabeça, braços, bolsos, um monte de brincadeiras; para que ela possa ficar entretida. A criança sempre quer um show, e isso o Soul Alegria não faz.

Quando vamos falar com o adulto, levamos as técnicas da conversa; então já sabemos o que funciona e o que não funciona. Por exemplo, vamos conversar com o idoso, mas está meio quieto, não quer conversar; perguntamos se ele conhece o Elvis, se é casado, aposentado, perguntamos o que fazia antes de se aposentar. Com essas perguntas conseguimos que se abram e conversem. Isso ás vezes fazem levantarem da cama, sair do quarto, andar pelos corredores com a gente, ou fazer refletirem em tanta coisa que já fizeram, o porquê de estarem ali no hospital; mas que tudo isso vai passar. É isso que o Soul Alegria faz.

 

O que os move? O por que de fazer esse trabalho? O que traz vocês para o humanístico?

Eu posso falar por mim, Clerson, da onde começou o projeto. Eu perdi meu pai que tinha leucemia mieloide no Hospital São Paulo, onde ficou nos corredores e internado por muito tempo. Lembro que já nessa época eu tentava fazer de tudo para alegrá-lo. Ele ficou em isolamento, então levava gibi, conversa; tentava fazer de tudo para anima-lo. Mas não foi daí que surgiu minha ideia.

 

Quando comecei a fazer o curso, as coisas começaram a fazer sentido, porque procurei por acaso, o curso apareceu por acaso, e quando comecei a fazer o trabalho, eu enxergava meu pai em cada um dos atendimentos. Hoje já não é mais assim; não vejo já meu pai há muito tempo em atendimento. Mas diria que é porque acredito na causa; acredito que quando você está internado, principalmente em um hospital público, a dor é muito grande; principalmente quando pensamos para onde foi todo o dinheiro dos nossos impostos, porque que estou passando por essa situação se fui uma pessoa “que não fez nada errado”, e tudo que nos ensinaram a respeito de que se fossemos bom, teria coisas boas. Para mim é isso.

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Quero ir lá e mostrar que é possível sair de lá, que não é o fim; e mesmo se for o fim que a pessoa esteja no lado de alguém legal. Por isso que a gente tenta mudar não só aquele ambiente, mas a gente dá aula também lá pra futuros profissionais da saúde, para quando eles estiverem formados possam fazer um trabalho melhor. O legado do Soul Alegria e levar isso, justamente porque acreditamos naquilo como a saúde, que deveria ser mais feita por humanos e não ficar “a tenho que humanizar” acho totalmente errado essa expressão. Tem que ter pessoas que saibam que estão fazendo ali, com mais sensibilização.

 

Então eu faço esse trabalho porque acredito na causa. Acredito que quando estamos fragilizados, ficamos sem perspectiva nenhuma e ainda mais doente; precisamos de alguém que cuide de nós.

Eu estou lá pelas pessoas que vão passar pela minha frente, para que elas tenham alguém que vai olhar para elas e dizer: “Você tem força! Só falta você acreditar; mas você tem. Eu estou vendo, você está vendo? ”. É por isso, por essas pessoas.

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A grande maioria das pessoas que nos procuram para fazer o curso é porque já chegaram em um momento da vida em que querem fazer alguma coisa; estão cansados do modelo que a gente chama de “umbiguista”, “eu ganho dinheiro, compro as minhas coisas, eu tenho, tenho...”. Chega a um ponto que cansam de só de ter e querem ser. Quando começam a ser, procuram algo que tenha a ver com ela; e chegam no Soul Alegria e pensam “Eles não trabalham com criança. Vamos para esse público diferente.”.

Então é por isso que a gente faz esse trabalho humanista.

 

Em sua vida, o que mudou?

Eu sempre tive vontade de ser uma pessoa das artes, mas trabalhava em uma multinacional de terno e gravata.

Um dia, descobri o doutor palhaço e a minha vida mudou a partir daí, nunca mais fui o mesmo Clerson quadrado. Comecei a ficar louco com essa história e fazer coisas malucas, como doar todo o tempo que tinha disponível depois do trabalho.

Até que joguei tudo para trás, pedi demissão e resolvi ser palhaço em tempo integral.

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Mudei a minha vida totalmente; se estou aqui hoje, nesse escritório, nessa casa, nesse bairro, é porque acreditei no meu sonho. O principal foi acreditar em mim; ser doutor palhaço fez eu acreditar no Clerson. Parece que tinha morrido há um tempo, e ressuscitei.

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Tenho muitos defeitos como outras pessoas, que ainda falta concertar; de vez em quando estou no atendimento e penso que se não concertar corro o risco de ficar naquela situação; isso é uma mágica que tem no trabalho, de vermos o que a gente não quer ser. A inversão dos valores, a inversão da visão mudou bastante o que sou.

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Entrevista concedida em reunião no dia 16 de maio de 2016.
 

 

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Entrevista com Clerson Pacheco
 

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Clerson Pacheco em seu personagem Dr. Miojo Pena Branca

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